OS
OLHOS DA MATA
Câmeras fotográficas espalhadas pela Mata Atlântica
registram animais ameaçados de extinção vivendo em seu hábitat natural.
POR Camila Almeida
Jaguatirica: predador de topo
de cadeia cada vez mais raro. Sua pele é valorizada no comércio ilegal e suas
presas naturais, como roedores, também são alvo de caçadores.
Discreto e silencioso, em meio a uma robusta faixa de Mata
Atlântica, o fotógrafo Luciano Candisani prepara sua emboscada. Quer capturar
uma onça. Deitado entre folhas caídas, monta sua armadilha fotográfica. Para
ter a chance de registrar um animal como esse, que figura lista de ameaçados de
extinção, ele precisa percorrer uma longa estrada de terra, de curvas tortuosas
que vão cortando a floresta. O caminho desce pela Serra do Mar, no estado de
São Paulo, e nem está tão distante da cosmopolita capital. São cerca de 200 km
de viagem até as trilhas por onde Candisani se espreita nessa caçada a animais
selvagens, numa região conhecida como Vale do Ribeira.
A
região, apesar de gerar pouco dinheiro para os cofres públicos (contribui com
apenas 0,3% do Produto Interno Bruto de São Paulo), guarda a maior área
contínua de Mata Atlântica preservada do país. São mais de 2 milhões de
hectares de floresta, que equivalem a 21% de todos os remanescentes desse
bioma. A alta probabilidade de encontrar fauna nativa foi o que motivou o
Grupo Votorantim, dono de uma reserva privada no vale, a contratar um fotógrafo
para registrar a diversidade presente na mata.
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Onça-parda:
estima-se que existam menos de mil onças-pardas na Mata Atlântica. As
principais ameaças são expansão urbana e agropecuária, atropelamentos, caça e
queimadas
Capturar esses bichos em imagens não é para qualquer profissional.
Além de um olhar artístico, é preciso estudar os hábitos deles. Por isso,
Candisani conta com a ajuda de um biólogo da reserva, que passeia de quatro
pela trilha, tal qual um felino, enquanto ele ajusta o equipamento. Para montar
a armadilha fotográfica perfeita, eles imitam o comportamento do animal, para
tentar acertar o caminho que ele percorre na floresta.
É tudo
uma questão de faro. Sabe como eles escolhem o lugar ideal para instalar as
câmeras? Vestígios. A caçada inclui um processo prévio de mapeamento de marcas
como arranhões nos troncos das árvores, pegadas no solo, fezes e até cheiro de
urina. "Por isso, é fundamental contar com uma equipe de pesquisadores,
que estudam a mata e sabem onde estão os indícios e que animais estão vivendo
aqui", esclarece Candisani. Este acompanhamento é feito por uma equipe da
ONG Pró-Carnívoros, que tem várias câmeras espalhadas pela reserva para
levantar, avaliar e monitorar as populações de onças que vivem ali. Com esse
mapeamento, será possível desenvolver um plano estratégico de preservação das
espécies, o que garantirá a manutenção de todo o ecossistema.
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ARMADILHA ESTRATÉGICA
NATUREZA BRUTA
O trabalho do fotógrafo Luciano Candisani não tem pretensão tão
científica. Tem vocação mais artística. "Quero mostrar nestas imagens a
naturalidade do animal em seu próprio hábitat, sem a interferência da presença
humana", conta o fotógrafo. A armadilha dele conta com duas câmeras
profissionais, com até quatro flashes cada. Um verdadeiro estúdio na floresta.
"É preciso ter um cuidado com a luz, entender como ela entra na mata nos
diversos horários do dia para conseguir regular as câmeras", explica. Elas
conseguem registrar imagens com altíssima definição de manhã ou à noite.
&
Anta
albina: é o maior mamífero terrestre brasileiro. A gestação é longa (dura até
14 meses) e só gera um filhote. Por isso, este espécime albino raríssimo.
Depois de montadas, as câmeras precisam ser camufladas, para que
os animais não as percebam e fujam. Elas são protegidas por uma caixa coberta
com folhas e galhos. Os cabos do equipamento são enterrados, evitando o ataque
de roedores. Sensores infravermelhos são os responsáveis pelos disparos. Quando
o feixe de luz que corta a trilha é interrompido, por animais ou folhagens, as
câmeras fotografam. Se o flash também dispara, os bichos percebem, por isso há
algumas fotos deles encarando a câmera.
Até o
momento, o fotógrafo conseguiu imagens de vários mamíferos diferentes, a
maioria ameaçada de extinção. Já garantiu até jaguatirica e onça-parda, mas
nada da pintada que estava buscando. Se depender do potencial da região, em
breve ela deve aparecer. De acordo com o Instituto Socioambiental, ainda existe
uma boa diversidade no Vale do Ribeira, inclusive mais de 40 espécies
endêmicas, aquelas que são encontradas apenas em sua região de origem.
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Irara:
da mesma família da hiena, a irara é um mamífero com facilidade para escalar
árvores. Adora comer mel, mas é também carnívoro e costuma caçar roedores.
A estratégia de montar
armadilhas fotográficas para encontrar esses animais é relativamente nova. O
primeiro trabalho global para o registro de mamíferos foi desenvolvido em 2011
pela Conservação Internacional e resultou em 52 mil fotos nas Américas, na
África e na Ásia. O estudo conseguiu demonstrar como a destruição da floresta e
a consequente perda de habitat para a expansão urbana e agropecuária impacta
negativamente na sobrevivência das espécies e na diversidade da fauna mundial.
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MATA VIVA, BICHO VIVO
Cachorro-vinagre:
na lista de animais ameaçados há mais de dez anos. Na imagem, aparecem dois, o
que sinaliza o comportamento de bando. No Cerrado, ele pode desaparecer em 100
anos.
A reserva privada, com 31 mil hectares de
área preservada, existe há mais de 50 anos. E a presença de alguns desses
animais na mata atesta seu bom estado de conservação. Um deles é o
cachorro-vinagre, que precisa de condições muito específicas para se adaptar a
um ambiente e é muito sensível a doenças. Se até ele, que é tão exigente,
encontrou condições para sobreviver na mata, é sinal de que outros animais
raros talvez estejam vivendo por lá também.
Na expectativa de encontrar onças-pintadas
dentro da reserva, a Pró-Carnívoros intensificou suas buscas. Entretanto, o
panorama não é tão animador: funcionários comentam que não veem uma
onça-pintada há muito tempo. Mas a bióloga Sandra Cavalcanti, coordenadora do
projeto, insiste na presença do animal - e não à toa. Já encontraram um bicho
chamado queixada, tipo de porco-do-mato muito apreciado pelo felino. E, se tem
comida, deve ter onça.
O esforço para conseguir preservá-la é uma
estratégia fundamental para a saúde da floresta inteira. "Para manter a
pintada, animal de topo de cadeia, a gente precisa preservar a cadeia alimentar
inteira." Seguem buscando esses reis da fauna que, uma vez vivos, garantem
a vida da nossa mata.
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Luciano Candisani Fotógrafo |
Luciano
Candisani estudava para ser biólogo quando se apaixonou pela fotografia.
Combinou as duas profissões. É especialista em fotos da natureza e já registrou
da Amazônia à Antártida.
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