Anna Paula Buchalla
Numa
das regiões mais recônditas do cérebro, os neurocientista
A anatomia das emoÇÕes
Uma pequena
estrutura do cérebro, a ínsula, está
surpreendendo os cientistas, que ali descobrem
a sede de diversos sentimentos humanoss
Uma pequena
estrutura do cérebro, a ínsula, está surpreen- dendo os cientistas, que ali
descobrem a sede de diversos sentimen- tos humanos
Encontraram uma nova peça para um dos mais instigantes quebra-cabeças da
medicina - o mapeamento das emoções humanas. Do
tamanho de uma ameixa seca, a ínsula trabalha em parceria com outras duas
estruturas cerebrais, o córtex pré-frontal e a amígdala (estes, sim, velhos
conhecidos dos estudiosos no controle de diversas emoções). A ínsula funciona
como uma espécie de intérprete do cérebro ao traduzir sons, cheiros ou sabores
em emoções e sentimentos como nojo, desejo, orgulho, arrependimento, culpa ou
empatia. "Ela dá colorido psíquico às experiências sensoriais", diz o
neurocirurgião Arthur Cukiert. Ou, como definiu o psiquiatra americano Martin
Paulus, professor da Universidade da Califórnia, é na ínsula que o corpo e a
mente se encontram.
Descrita pela primeira vez no fim do século XVIII, pelo anatomista e
fisiologista alemão Johann Christian Reil, a ínsula sempre foi negligenciada
pelos pesquisadores. A dificuldade de acesso impedia estudos mais minuciosos
sobre sua fisiologia. Nos últimos dez anos, graças ao aperfeiçoamento dos
exames de imagens, como a ressonância magnética funcional, a ínsula despertou a
atenção dos neurocientistas. Flagrada em pleno funcionamento, já se viu que ela
é ativada toda vez que alguém ri de uma piada, ouve música, reconhece
expressões de tristeza no rosto de outra pessoa, quer se vingar ou decide não
fazer uma compra "Os estudos já mostraram também que a superativação da
ínsula está relacionada a diversos distúrbios psiquiátricos, sobretudo as
fobias e o transtorno obsessivo-compulsivo", diz o neurologista Mauro
Muszkat, da Universidade Federal de São Paulo. Imagens do cérebro indicam que
lesões na ínsula podem levar à apatia, à perda de libido, a alterações na
memória de curto prazo e à incapacidade de alguém distinguir pelo cheiro um
alimento fresco de outro estragado.
O trabalho mais fascinante sobre a ínsula foi divulgado recentemente pela
revista científica Science. Tudo começou com a história do senhor N., de 38
anos. Tabagista compulsivo, ele fumava cerca de quarenta cigarros por dia. Um
derrame, no entanto, fez com que ele instantaneamente abandonasse o vício - "esquecesse
a vontade de fumar", como descreveu aos pesquisadores das universidades de
Iowa e do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos. Com o derrame, a ínsula do
senhor N. havia sido lesionada. Outros pacientes, também fumantes e com danos
na mesma região cerebral, foram avaliados. A maioria deles perdeu a vontade de
fumar. Esse estudo foi o primeiro a relacionar uma área específica do cérebro
ao vício. "O tabagismo não pode ser explicado apenas pela ação da nicotina
no cérebro", diz Nasir Naqvi, um dos autores da pesquisa. "O vício
deflagra uma série de mudanças comportamentais e fisiológicas � o aumento dos batimentos cardíacos, a elevação da pressão, a alteração do
paladar e a sensação da fumaça entrando nos pulmões, entre outras." Todas
essas informações são processadas na ínsula e traduzidas na ânsia de acender
mais um cigarro. Trabalhos como esse abrem o caminho para o desenvolvimento de
novos tratamentos contra o tabagismo e outros vícios, como a dependência de
drogas e o alcoolismo.
Como se trata de uma área de pesquisa relativamente nova, a ciência ainda
não conseguiu esmiuçar todas as funções da ínsula. As diferentes partes do
cérebro não agem isoladamente, mas por meio de circuitos múltiplos, que
interagem entre si - o que torna o estudo do cérebro
extremamente complexo. De qualquer forma, as descobertas recentes sobre a
ínsula são uma fonte preciosa de informações sobre a anatomia das emoções. Um
dos grandes estudiosos do tema é o neurocientista português António Damásio.
Ele busca em seus estudos a base biológica das emoções e da consciência
humanas. "Os sentimentos não são nem inatingíveis nem ilusórios. São o
resultado de uma curiosa organização fisiológica que transformou o cérebro no
público cativo das emoções teatrais do corpo", escreveu Damásio no livro O
Erro de Descartes.