4ª PARTE DA HISTÓRIA DA DANÇA
A INVENÇÃO DA DANÇA CLÁSSICA
A evolução da técnica da dança clássica foi de
responsabilidade de um homem: Charles-Louis-Pierre de Beauchamps. O mestre de
Beauchamps foi uma espécie de principal coreógrafo da França. Quase todas as
grandes produções tiveram um toque seu, principalmente as da corte. Ele colocou
em prática um "sistema de dança", que, de acordo com os ideais de
Luís XIV, tendia à beleza das formas, à rigidez, ao virtuosismo, que valorizava
a estética do corpo, demonstrando o quanto que a estética do movimento, naquela
época, era mais importante que a emoção que o gerou. Assim, houve uma intensa
profissionalização dos bailarinos e de outros profissionais ligados à dança.
A técnica era quase tudo. Beauchamps, se
apropriou dos passos do Ballet de Corte transformando-os, lapidando-os até
chegar em produtos que são conhecidos atualmente: os entrechats
(entrechatquatre, entrechatcinq, etc.), o grand-jeté, o pas de bourré. Além
disso, ele também estabeleceu as 5 posições básicas, como formas de se
aproximar ou afastar os pés numa distância proporcional e medida. Sua intenção
era descobrir uma maneira certa para que o corpo do bailarino encontrasse
sempre o seu eixo e o equilíbrio, estando ele dançando ou parado. Dessa forma,
o mestre criou uma forma de se "escrever" o ballet, a partir da
nomenclatura que deu aos passos formais de sua autoria.
Um outro grande contribuidor da dança clássica
foi Moliére. Primeiramente um produtor de espetáculos de teatro, Moliére adotou
a dança em suas montagens e logo passou a criar suas conhecidas comédias-ballet,
que eram, em sua essência, um Ballet de Corte com algumas novidades, mas que
ainda usava récita de versos em sua trama. Uma das diferenças era o tema, pois
Moliére rompeu com o tédio causado pela utilização da mitologia grega. Suas
histórias eram uma pintura dos costumes, como as comédias que conhecemos
atualmente. Na realidade, a maior inovação das comédias-ballet está na
integração total da dança com a ação dramática. Se antes, nos Ballets de Corte,
a dança servia para "enfeitar" o enredo, com Moliére a dança tem um
porquê de estar no meio da ação. Em quase todas as obras, Jean Baptiste de
Lully foi seu parceiro, e quando se separaram mais tarde, Lully produziu
espetáculos que não passavam de remontagens de peças de Moliére e do Mestre de
Beauchamps. Lully acabou realizando um movimento contrário ao da época, pois
suas remontagens diminuíam a importância da dança em relação aos outros
elementos do espetáculo. Assim, ele contribuiu com a longa sobrevivência do
Ballet de Corte, onde a dança não era o principal elemento.
Nessa mesma época, em meados do século XVII,
surgiu uma outra figura importantíssima para a dança: a senhorita Lafontaine,
conhecida como a primeira bailarina a dançar sozinha.
A EVOLUÇÃO NO SÉCULO XVIII
Em 1713, foi fundada a escola de dança da
Academia Real. Havia um regulamento que impunha que os diretores escolhessem os
melhores súditos e ensinassem para eles gratuitamente sua técnica. Sem dúvida,
a criação da escola colaborou para o aprimoramento técnico da dança, mas por
outro lado contribuiu para a monotonia que foi gerada pelo apego ao movimento e
o esquecimento da emoção que ele exprime. Havia uma rotina na escola que se
fixava ainda mais no virtuosismo puro.
Nessa época, surgiram estudiosos que desejavam
escrever a dança. Eles criaram uma espécie de partitura, onde os nomes dos
passos, símbolos e desenhos são escritos paralelamente às notas musicais. Nos
livros onde foi "escrita" a dança, também foram catalogados novos
passos: relevés, tombés, glissés, diversos tipos de pequenos saltos, cabrioles,
coupé (que não era igual ao coupé de hoje) contratempos, chassés e sissones.
Obviamente, o desenvolvimento da nomenclatura e da escrita da dança clássica
facilitou o ensino e ampliou o aprendizado da dança. Mas os coreógrafos não
adotaram a técnica da escrita, e por isso, ao contrário do que aconteceu com a
música, não é possível reproduzir um ballet assim como ele foi concebido. Havia
uma certa resistência à escrita: segundo um famoso maitre de ballet da época, "A
coreografia escrita apaga a genialidade".
Foi a partir desses pequenos avanços que surgiu
a dança acadêmica, a técnica clássica definida, que é a mesma técnica que
conhecemos hoje, apesar das mudanças e influências sofridas nesses dois
séculos.
A ÓPERA-BALLET
Na primeira metade do século XVIII, entra em cena
na França a ópera-ballet, que realizou o inverso dos ballets anteriores. Nas
comédias--ballet, a dança está a serviço do enredo, da música, e dos outros
elementos. Já na ópera-ballet, todos os elementos estão subordinados à dança e
servem para conduzi-la. Era praticamente uma peça inteiramente cantada e
dançada. O enredo, porém, era extremamente fraco, não havendo uma trama ou
história propriamente dita, com início, meio e fim. Personagens mitológicos
voltaram a ser usados, porém viviam como se fossem mortais, quase sempre
passando por aventuras amorosas.
A
ópera-ballet herdou dos ballets de côrte a cenografia e as vestimentas pouco
adequadas. As roupas cobriam todo o corpo e inclusive o rosto: as máscaras eram
amplamente utilizadas, de forma que não trabalhavam a expressão facial. O
figurino era sempre pesado e incômodo, quase incompatível com a dança leve e
elevada, mas, no entanto, a técnica era bem menos rigorosa que a atual.
Em 1754, Luís de Cahusac
foi o primeiro a criticar o excessivo apego à forma e não ao conteúdo da dança.
Ele era um famoso libretista (que constrói o libreto, a história da peça),
historiador, e, principalmente, crítico. Para ele, qualquer manifestação
artística servia para imitar a vida real, e por isso a dança deveria ser uma
forma de se expressar com o corpo as intempéries da alma.
Franz van Weuwen
Hilferding, um bailarino austríaco que estudou na França, se tornou maitre de
ballet em Viena, Stuttgart, e São Petersburgo, onde produziu ballets repletos
de ações, mímicas e mise-en-scenes. Mas esses ballets ainda não constituíam uma
ação completa, eram um aglomerado de historietas que juntas não tinham sentido
algum.
O principal nome da reforma
é Jean Georges Noverre. Conhecido por sua insatisfação com a dança e as regras
de sua época, ele estudou dança mas não entrou na Academia Real, como ditavam
as regras. Começou, então, a viajar de um lugar para outro, primeiramente como
bailarino, e logo coreografando peças e espetáculos. Com 27 anos já era um
maitre de ballet de renome, espalhando suas idéias inovadoras por onde passasse
e influenciando toda a Europa. Dessa forma, depois de muito viajar por todo o
continente, foi finalmente nomeado Maitre de Ballet da Academia Real de Paris
(contra a vontade do corpo de baile e dos tradicionais, porque esses acreditavam
que só alguém que já foi bailarino da Academia poderia ser maitre da academia).
Lá, ele criou poucas peças em virtude da falta de apoio por parte dos
bailarinos, mas talvez uma delas seja a mais inovadora de sua carreira:
"lês Caprices de Galanthée", em 1781. Não continha canto, mas apenas
danças e mise-em-scenes. Foi o primeiro ballet a romper definitivamente com o
estilo das óperas. Noverre criou, assim, o ballet que girava em torno de uma só
ação dramática, que contava uma história, síntese do Ballet de Repertório.
O mestre acreditava que,
antes de ser uma manifestação estética, a dança era uma forma de se exprimir
emoções com o corpo. A estética do movimento era apenas uma consequência da
emoção que brotava na alma do dançarino. Os bailarinos não poderiam deixar de
lado a técnica, mas esta não era, de forma alguma, mais importante que a emoção
que a dança busca exprimir.
Noverre insistia muito no
endehors, mas para ele nada deveria ser forçado: a abertura do quadril seria
trabalhada através de exercícios como os rond de jambs e grand battements. Ele
ainda criticava os bailarinos de sua época por trabalharem excessivamente o
corpo e pouco a alma, tornando-se ignorantes na arte expressiva. Para ele, o
bailarino deveria dividir seu tempo igualmente entre os estudos da arte
dramática e as aulas para o corpo.
Noverre criticou fortemente
as vestimentas que cobriam os bailarinos: para ele, tudo deveria facilitar a
técnica e principalmente a expressão no desenvolvimento da trama da história de
cada ballet. Por isso, ele também retirou as máscaras de cena: "O rosto é
o órgão da cena muda, é o intérprete fiel de todos os movimentos da Pantomima
(dança expressiva), é o suficiente para banir as máscaras da dança".
Em
1789, um discípulo de Noverre, Jean Dauberval, foi para Bordeaux, seguindo uma
bailarina que amava, mas que não se dava bem com a direção da Ópera de Paris.
Em Bordeaux, Dauberval criou La Fille Mal Gardée, o mais antigo ballet dançado
até hoje. Quase nada de sua coreografia original foi mantida, mas sabe-se que
era um ballet alegre e impregnado dos ideais da Revolução Francesa (*ver La
Fille em Ballets de Repertório). Nasceram assim os Ballets de Repertório, que
vêm sendo dançados e adaptados até hoje, e nos quais a ação dramática deve ter
início, meio e fim, representados a partir de danças e mise- en-scenes. O
mestre Noverre transformou o ballet clássico em uma dança que não se limitava a
uma execução mecânica, que foi capaz de emocionar pessoas em todo o mundo nos
séculos seguintes.
AGUARDE VAMOS CONTINUAR